16 de outubro de 2014, era pra ser só mais um dia comum. A noite passada
tinha sido agradável, conheci uns cozinheiros peruanos num bar em uma daquelas
travessas da Rua Augusta e apostei a janta com eles que o Galo ganharia do
Corinthians, mesmo em desvantagem de 2 a 0 do jogo de ida, sai vencedor e o
galo também, 4a1, fora o baile! Na tv políticos e suas propagandas de ataque,
nas redes sociais pessoas defendendo partido, partidos se aproveitando das
pessoas, na previsão do tempo frio pela manhã e calor intenso pela tarde.
Resolvi colocar bermuda mesmo com o friozinho da manhã e pra me sentir ainda
mais livre fui trabalhar de chinelo (sim, eu trabalhei de chinelo). Pra ir embora,
trânsito lento no centro da cidade, condições do ar nada agradáveis, e suor
escorrendo pelo rosto dentro do ônibus. Nem imaginava que esse suor escorrendo
devido ao calor era um prazer frente ao que estava por vir. Eu que já estou
acostumado com isso, fiz do banco do ônibus uma poltrona confortável e
refrescante dentro do meu estranho mundo paralelo. No almoço eu resolvi que
queria arroz, tomate, frango e música alta, numa playlist do Rap ao Rock, de
Rael da Rima a Red Hot Chilli Peppers. O arroz parecia cozinhar nas batidas The
Strokes, o tempero era do Chester Benington e o frango ficou tão delicioso
quanto a Fergie em parceria com Slash, minto, a Fergie é bem mais gostosa que
qualquer filé de frango. Em fim, curti o meu "momento Palmirinha" por
uma horinha. Hoje precisava me animar, estou envolvido em projetos que vem
exigindo muito da minha mente e da minha disposição, me deixando sem dormir
durante várias noites, o que é ruim e ao mesmo tempo, ótimo pra minha carreira.
E ao final da tarde estava eu levando minha moto pra fazer manutenção, pensando
comigo mesmo quão bom seria tê-la de volta, após essa uma semana sem pilotar,
me livrar do trânsito lento enfrentado dentro dos ônibus e de pagar passagem
mais cara que o litro de gasolina. É muito mais econômico andar de moto em São
Paulo do que carro, ônibus ou táxi. Estava próximo da oficina, quando de
repente subestimei a falha que estava ocorrendo no carburador da moto e fui
surpreendido. De relance senti que perdia o controle da moto, e mesmo devagar,
quando vi já estava entre as carenagens por baixo de um carro. Só tive tempo de
desligar na chave e cair no chão, com fortes dores na coxa e na mão, mas nada
grave. Porém, um susto enorme, o dono do carro estava dentro e saiu acreditando
ter sido atingido por um carro atrás devido ao estrondo e o barulho do
acelerador que estava travado até eu desliga-lo. Senti naquele instante todos
os problemas e dificuldades que enfrento pesando sobre minha cabeça, descendo
tudo de uma vez, como um banho de água fria num dia frio, mas estava calor e um
acidente era tudo que eu menos queria, tudo que eu menos esperava. Estava
concertando a moto justamente pra vendê-la e comprar outra melhor. Agora, além
da grana da manutenção ainda teria que arranjar dinheiro pra pagar a funilaria
do carro que bati. Justo agora que venho investindo meu dinheiro deveras
sofrido em novos projetos. Tive uma certa fraqueza, quando me levantei e a
perna não obedeceu, me vi estirado no chão olhando pro rosto do dono do carro
que estava me observando com certo tom de pena. Eu não queria aquilo, eu só
queria fazer as coisas certas. O cara era legal, através dos seus olhos vi a
bondade e compaixão, sua calma e serenidade ao me abordar demonstrou que aquele
era o tipo de cara bom que ainda resta no mundo, nos seus trinta e poucos anos
esperando sua esposa sair do trabalho. Tentei levantar novamente, e com toda
força que ainda me restava fiz de tudo pra ficar em pé e não me deixar abalar
por qualquer "quedinha". Me veio toda a letra de "vai
clarear" do Projota, música que ouvi no almoço, bendito almoço
revigorante. Eu amo comer, é o momento que me reabasteço, me animo, e me
condiciono. Senti a calma na alma dos Moleques da Cone Crew pairar no ar, o
menino se tornando homem ao dialogar e se colocar à disposição pra pagar os
danos causados e dominar a situação como tinha de ser. Tudo foi conversado, a
moto já está na oficina pra arrumar, não teve nenhum dano maior, o gelo já está
na minha perna, logo melhora. Já está aqui também a motivação pra trabalhar e
conseguir reverter essa situação, continuar tocando meus projetos pessoais e
crescer mais ainda. Hoje era pra ser um dia qualquer, porém a vida me deu essa
oportunidade de crescimento. Pensei por um momento, "Esse Deus arranja
meios muito estranho pra nos testar...", e não deixei de acreditar.
Vanguart já havia premeditado, após a introdução dos metais monstros:
"Nessa cidade, tem uma rua, que eu não ouso mais passar". Hoje,
seguir o caminho é o que me interessa, de preferência vivo e inteiro.
Entretanto, quando eu dobro a esquina da minha rua, sempre espero algo novo.
Certa vez ouvi o Will Smith falando sobre sua ideia de sentir que veio pra
fazer diferença no mundo, num papel muito maior que os ocupados no cinema. Não
por pretensão de grandiosidade, mas também sinto isso em mim, como se pulsasse
em meu sangue um dom que ainda não descobri. Confesso que senti medo de morrer
sem descobrir o que é que a vida ainda tem a oferecer, um pouco menos do
que o receio que tenho de viver e não fazer a diferença positivamente nesse
mundo. E mais uma vez Projota deu a letra, "Não importa qual Deus vocês escolher. Mas precisa
acreditar em algo, mesmo que seja em só você".
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